domingo, 2 de agosto de 2009

O Casamento de Janaína e Felisberto



O bloguista e sua viola

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Script #01 - Importância


A mais animada festa que acontece no interior do nordeste não é somente a dos Festejos Juninos. Com muita antecipação e preparativos que envolvem famílias e tradição,afora muita cultura rural, verifica-se que o casamento matuto veio para ficar. É mesmo difícil modificar um clima em que pessoas sérias se preparam e também as suas filhas ou filhos para o tão esperado dia. Não adianta modernismos, internetês ou televisão colorida com nome de remédio: plasma. Afinal o caboclo senhor da sua sabedoria.


Script #02 - Descrições

O local onde vai acontecer os festejos logo depois do cerimonioso casamento é uma casa típica de sítio de interior. O seu dono, um Senhor de cara zangada, mas somente isso, vive do que e o campo lhe oferece: tem criação de gado, aves, árvores frutíferas típicas do sertão e um roçado de dar inveja. O sitio tem ainda um córrego, que quando chove inunda, mas não passa da varanda. É um felizardo, pois água que é bom, só quando chove pra valer. Coisa rara nessas bandas. Dentro da casa tem um quadro daqueles redondos com o casal fotografado em meia cor, denotando um certo tempo. A cor dos retratados é meia azulada pelo tempo. No entanto, domina tod interior da casa do sítio.

O mobiliario foram feitos na cidade mais próxima e a madeira vem do Recife. É de, sucupira pura. Tem amplos quartos e o banheiro é visível pelo cheiro de água jogada de balde. Tem torneiras e encanamento. Mas os canos entupiram de tanta humidade e grama que cresceu dentro da tubulação. As torneiras são usadas com ajuda de um caneco. O sítio do pai casadoiro é previlegiada porque tem uma cacimba perto do riacho, dessa forma, nunca falta água. Ele também paga do seu próprio bolso a vinda de um caminhão pipa da Sudene que abastece a vizinhança em época de estiagem. Dá pra passar um mês com água potável da melhor qualidade. Orgulhosos, da sua criação, debruçam-se na varanda para ver o capim crecer. Tem ainda um empregado que trata dos bichos. Não é rico, mas vive de conformidade com que a natureza da região pode lhe oferecer.

Script # 03 - Crenças (Simpatias)

No dia do casamento, acontece uma tradição ainda em uso, portanto, felizes para se verem, os noivos não devem, os parentes também acreditam nessa história. Os noivos só devem se ver no dia do casamento e na Igreja. Na horinha mesmo. Vá lá e acredite que algumas supertições até que dão certo. Dizem que essa sabedoria é a salvação da convivência. Mas, bem sabem os anfitriões e os noivos porque não devem se ver. Podem até trocar alguns bilhetinhos furtivos de antecipação. Acreditam que a antecipação alivia a beleza da noiva em marcha nupcial. São momentos inesquecíveis. Alguns convivas mais atrevidos dizem até que aumenta a tesão quando das núpcias. Haja acreditação.

Script # 04 - Animação e Pratos:

Mas eis que chega o tão esperado dia. Contudo, como reza a crença, este pode ser antecipado, porém, a cerimônia continuará inalterada não importa qual dia venha ser realizada a cerimônia. Os preparativos são os mais diversos e devem conter taxativamente um trio contendo sanfonas, zabumba e triângulo. A esse tipo de ritmo e de banda dá-se o nome atualmente de "Forró Pé de Serra". Os músicos tocam a noite inteira, ou até o último bebo sair.

As preparações e os convites são feitos com a previsão de meses. Poderá servir também para a família provar que a filha ainda é donzela. Eita verdade! O preparatório toma o tempo que se puder para fazer deste dia uma festa inesquecível. De conformidade com as posses dos genros, noras, padrinhos e amigos, a festança não tem hora nem dia para terminar. Entonce, como se diz, tem somente hora pra começar.

Pode até passar semanas ou meses de bebidas e comidas, embaladas por conversas as mais safadas possíveis. Os convidados mais chegados sempre tiram uma gracinha com o noivo. As meninas casadoiras levam na manhosa e perguntam se vão poder dançar com o noivo. É que algumas já tinham tirado uma casquinha e sabem que vão ficar na saudade. É que casamento de sertanejo é pra valer. Depois tem aquela história: amor que fica é amor de pica.

O pai, todo orgulhoso, diz para os amigos mais chegados, "Eu me fodo de lá, me fodo de cá, mas nada vai fartá. É uma questão de dever, obrigação e honra", afirma com cara de matuto alegre igual estivesse na frente do Cartório no primeiro dia em que vai tirar o seu título de eleitor.

Bebida e comida não devem faltar. Para tanto mandou derrubar um boi da sua própria criação, dois carneiros, a indispensável buxada, dobradinha, feijoada, a farinha de fubá, xarque, sal, cuentro e cebolas picadas, também conhecida como "Quarenta". O bolo da noiva fica em local imponente e visível. Este deve vir ornado com dois bonequinhos, que simbolizam o casorio, ou um par de alianças dessas compradas no armarinho local. Numa outra mesa, a de doces, tem ainda caprichosamente preparados: doce de jenipapo, de cajá, manga, caju etc. Os sucos são de frutas locais, a exemplo de: cajá, limão, cajarana, imbu. Na área destinada aos doces, as sinhasinhas prepararam cuidadosamente bolos de fubá, mandioca, macaxeira, além de quindins de baba de moça e de queijo. Os liquores de maracujá ou de jaca também não devem faltar. É comum, ao servir o conhaque de maracujá, ouvir dos convivas mais afoitos a pergunta:

--- "É de quê?" Então a sinhasinha responde afoita.

--- "É de maracujá, num viu não?". É nesse momento que um afoito diz.

--- Eita! "De mara não, mas de cu já". Essas piadinhas servem para a ocasião e são aceitáveis, quando não, indispensáveis. Mesmo assim, a bebida que predomina mesmo é a tradicional cachaça e a cerveja vinda da cidade.

Para quem é da Capital e não conhece um autêntico prato Quarenta deve experimentar. É imprescindível, dizem as pessoas que a sustança é tão forte que dá tesão antecipada até aos que não vão casar. Já o pranto, já prontinho num caldeirão deve se experimentado somente depois de beber e provar de todos os outros pratos que estão disponíveis na mesa do sitio. É que muito pesado. Enche logo.

Portanto, o nome "Quarenta" é uma sustança que vale por quarenta dias ou mais. É também sempre preparado pela mãe da noiva, e destaca-se pela qualidade e também pode ser guardado com antecipação, basta esquentar e comer de colher mesmo.

A tradição do casamento de matuto determina que os convivas devam beber como uma caipora. Assim também confirmam os pais quando da entrega do convite da filha que está casando.

--- Vai ter de tudo, só farta vocês.

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Essa é a introdução do script ao qual irei relatar em seguida, e que são componentes de uma festa muito mais do que religiosa, mas familiar em participativa.(agora tem story-board).

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O Casamento e a Tertúlia de Janaína e de Felisberto
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Script # 01 - Cenário caseiro:

A mãe da noiva, agora muito diligente, prepara uma boa supresa para as amigas e demais pessoas em pleno sertão do interior de Pernambuco, cidade de Bom Conselho, distrito dos Caldeirões, também situada em pleno sertão pernambucano. Elegante e sempre ativa nas procuras pelo cônjugue da sua filha, não escolhe dia nem hora para realizar o casamento tão esperado. Festiva, faz mimos a todos, inclusive ao noivo. Evita sempre responder a pergunta se a noiva está pronta e se já explicaram pra ela como deve ser feita a primeira trepada.

--- ó minha fia, isso num se ensina, responde aliviada e saí furtivamente.

É chegado o momento do Pároco chegar. Este vem montado numa carroça, tangida por um dos vaqueiros amigos do pai casamenteiro. É que o Pároco não quer vir de carro, e enfrentar a distância e a buraqueira comum da estrada. Logo, o Pároco, muito sério informa que não vai parar no sítio, e que todos devem ir até a capela do Mirante, onde vai ser celebrada a cerimônia nupcial. Com a presteza da ordem os pais seguem com a noiva até o local. Vão de carro, uma D-20, ano 2000 novinha em folha, comprada a vista, quando trocou uma parelha de bois trepadores com direito e regalo da visita constante do veterinário vindo do Recife. Os convidados já estão esperando suados e esperançosos pela cerimônia e o rala bucho. É que para quem não sabe, no interior não existe muitas árvores e à sombra cactus não dão sombra mesmo. Depois tem aquela outra história: Em cactus ninguém deve se encostar, só tem espinhos.

Alguns convidados de mais idade já estão dentro da Igreja e os que estão do lado de fora começam a entrar.

Ouvem-se alguns reclamos, é que todos querem entrar na capela ao mesmo tempo. Haja empurra empurra. Um mais engraçado diz:

--- Ó Matuto, até aqui tu tá querendo se esfregar na Neusinha.

Já o outro responde com cara de sincero.

--- Tô sim, Você num sabe que nois namora há mais de um ano. O próximo casório vai ser o nosso.

Nisso, o trio de zabumbeiros já está no local a ele destinado e pronto pra começar. O Pároco foi até a sacristia colocar a veste destinada à celebração. Enquanto isso, o pai da noiva, não aliviado começa a perguntar pelo fotógrafo.

--- Eu paguei adiantado aquele cafajeste e ele ainda não apareceu. Espero que traga a câmera nova e não aquele lambe-lambe que usa pra tirar fotografia na Praça Central.

Nisso, eis que o noivo começa a atacar o botão do paleto comprado há tempos para o dia. Está meio apertado e não aguenta a tesão. O volume que aparece é motivo de piadinhas das mocinhas ansiosas pelo seu dia. Arruma-se como pode e fica no lugar em que o Pároco lhe havia ensinado.

Ouve-se o som da zabumba, logo seguida do pandeiro e a marcação do triângulo. A música é um aboio. É pra avisar que a noiva tá chegando. Como esperado em casamento de Sertanejo, a noiva está bonita e usando um vestido que vem até os pés, mas não deixa de mostrar a elegancia das suas coxas. Entra sorrindo qual uma gazela pronta para ir ao paraíso.

Um dos convidados também anedotista de primeira, aproveita para parabenizar a beleza de Janaína com os seus colegas sentados no banco da igreja.

--- Num é que a Janaína tá bem bonitinha. Caso haja desistencia eu posso assumir o lugar do noivo. Essa indescrição é logo ouvida e percebida pelos que estão mais próximos. Ouve-se um sonoro "Psiu", seguido de um: "Cala essa matraca abestalhado".

Já as carolas presentes e que ensinaram a preparação dos noivos, indispensável curso preparatório e levado muito a sério no Interior e que toma uns seis meses chamado de: "Encontro de Casais", confirmam o momento com certo sorriso de compreensão e de que eu já passei por isso.

--- Vai ficar melhor quando eles saírem com as alianças.

--- Sabe, Jussara, diz uma das carolas, "eu sabia que Dona Janaína iria fazer tudo certinho.

--- "Oxente", adianta-se a outra, "e é somente você que pensa assim?".

A Capela, de construção antiga, porém modesta, foi ornamentada a contento. Está caprichada nos arranjos florais. Tem ramos de capim santo, com flores de cactus e em cada banco tem um ramalhete contendo um cartaz: " Os Pais agradecem a sua presença". Mais matuto, impossível.

Nesse momento o Pároco pede silêncio. Param-se o som caprichado dos forrozeiros, os convidados olham atentamente para os noivos e esperam as palavras do celebrante.

É nessa hora que todos ficam desconfiados porque todos os que moram no Interior do Nordeste sabem: o Pároco sabe da vida de todo mundo. Ele olha para os pais dos noivos e fala baixinho que não recebeu o dinheiro da celebração. Aproveita e faz medo:

--- Eu não vou participar da festa.

Isso basta para o pai da noiva começar a procurar o talão de cheque. É nesse momento que os convidados já meio que esquentados pelos pileques escondidos e atenuantes bebidos antes da cerimonia e com a cobrança, iniciam uma risadagem discreta. Com uma cara de quem não gostou, o Pároco pede aos zabumbeiros que toque um repente inicial. Isso já serve para calar os mais apressados.

A música pára e a mãe, sem querer, relembra do seu dia e começa a chorar. O pai sempre mal-educado diz:

--- Danada de mulê, até aqui tu que me botá numa fria. Esqueceu-se que depois da festa nois vai ficar sozinhos?

Ele aproveita e olha para trás disfarçando um sorriso. Em vão, os convidados já tinham percebido a indiscreção e não se contêm: sorriem de si para si, mas não deixam de serem ouvidos também pelo Pároco que manda o Trio iniciar a música de celebração.

O mais afoito e curioso presente à cerimônia e que também conhece muito bem a família dos noivos fica atento para quem vai pronunciar-se contra quando vier a conhecida frase: "Se algum dos presentes tiver algum empedimento, que o diga agora ou se cale para sempre". Janaína, donzela sabida, mas matreira nas ribanceiras do sitio também percebe que esse é um momento difícil de encarar. Já o noivo, safado e conhecido dos forrôs, na Boite Soirê", da cidade, fica temeroso de que alguma conhecida venha de lá e diga algo sobre os seus displantes. Como todo bom safado, fica na dele.

Com muito calor e muito som de forrô, eis que é chega o momento final.

--- Que os noivos se beijem, diz o Pároco com a expressão de alívio.


Script # 02 - A Comemoração

O sertão é culturalmente diversificado e traz nesssa ocasião o conhecido arrasta pé, que se inicia tão logo o Pároco sai da Igreja. Nesse momento ninguém é de ninguém. Todos dançam e gritam felizes com a cerimônia e a solenidade do casamento tradicional no Sertão nordestino. Já os noivos, Janaína e Felizberto, recebem abraços e apertos de mãos. Janaína chega a receber até uns beijos dos amigos do noivo, tudo em nome da amizade.

--- Vamos logo pro sitio e começar a festa logo, grita um mais avexado.

Os carros começam a se dirigir até a casa e alguns vão a pé mesmo. É perto. A comilança tem início e o trio se posiciona debaixo da lona do caminhão que agora serve de telhado para abrigarem-nos do sol a pino. Convém lembrar que casamento sertanejo é feito de dia. A noiva é chamada até uma touceira de cactus e pedem para ela jogar o buquê de flores silvestres copiosamente procurado naquele sertão sem fim. Joga e as meninas acreditam nesse ritual. Algumas perdem a seriedade e trocam os pés pelas mãos para agarrar o buquê. Todas gritam com o pega mais num pega até que uma mais afoita grita:

--- Vejam, Rilda caiu e rasgou o vestido e está aparecendo as calças dela. É nesse momento que a sabida sertaneja consegue o seu objetivo.

Mas não é que todas param de se empurrar e olham pra Rilda que está muito bem vestida e já tem até namorado com data marcada para o casório. Não está participando desse pega pra capar mesmo.

É nesse momento que Rilda corre sozinha e sem competição, segura o cacho de flores do sertão como se fosse um troféu e novamente grita vencedora.

--- Peguei vocês na mentira, mas garanti o meu casamento, exclama com ar de vitória.

É nesse momento que se ôve uns xingamentos.

--- Eita bicha mais danada.

--- Espero que ela num case com o Moacir.

Outra aproveita para atanazar mais ainda e diz:

--- Moacir me disse que não gostava dela mesmo.

Haja indiscreções e mais invejas. Nisso, o Pai já com a noiva casada chega até os convivas e os incentiva a comerem e beberem até cair. A mesa onde se encontram os pratos está logo perto da varanda. O moscaria no sertão, como todos sabem, é insurpável, mas, ceriominiosa e diligente, a Mãe da noiva coloca uma sinhasinha com um empanador de fogão a lenha maior do que a porta da casa e pede para ela ficar balançando o mesmo sem parar.

--- Não pare de fazer vento que eu não convidei mosca para o casamento da minha filha, adverte.

Os festejos continuam com danças e rodopios os mais animados. Alguns beberões contumazes já demonstram sinais de cansaço e caem em qualquer lugar. Já as donzelas aproveitam o chegar da noite para chamar os que ainda conseguem dançar e têm inicio mais um dançatório daqueles.

Pelo visto, a festa irá durar uma semana ou mais. O sanfoneiros já estão animados e disfarçadamente tomam os seus pileques. Os pais como que num ar de triunfo, vão de mesa em mesa explicar que a festa continua, mas os noivos terão que sair para o hotel da cidade e a Lua de Mel. Indiscreto como um a porta aberta, explica que arrumou tudo. A cama tem lençol de linho e travesseiros. Avisa logo que irão passar uma semana ou mais naquele Hotel e deus sabe lá o que irá acontecer. Com indisfarçavel ar de machão, adianta para a incredulidade geral:

--- Eu confio na minha filha. Adepois, o noivo ja saiu comigo pra o Arraiá do Seu Benedito astro dia. Vixe, mas como o cabra é danado.

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